Sunday, June 28, 2009

No Rio, Maré.

“Pedro vivia da pesca saia no barco seis horas da tarde só vinha na hora do sol raiar”. O mar, Dorival Caymmi.

Sexta-feira, 26 de junho, chegamos para mais um dia de filmagens na Favela da Maré. Apesar do nosso atraso, um bom número de estudantes nos esperava para o início da aula, que estava programada para falarmos um pouco sobre edição, analisarmos melhor a vídeocarta sobre os índios da Amazônia e, enfim, sairmos pela Nova Holanda para filmar aquilo que fosse importante para os estudantes. Apesar do tempo nublado, não chovia no Complexo da Maré.

As crianças não tinham dificuldade de compreender como funcionava o processo de edição quando começamos a ouvir alguns tiros serem disparados na rua, sinal de que mais uma vez teríamos que mudar os planos da aula por falta de segurança na comunidade. Nosso grupo estava dividido, Teresa e Simone estavam no Observatório das Favelas arranjando um computador com configuração para suportar os programas de edição e agora não podiam caminhar até a sede do Luta pela Paz, que fica do lado oposto da comunidade.

De alguma forma tiroteios como o dessa sexta-feira já não alteram o emocional de ninguém ali. As crianças já estão acostumadas. Nós talvez precisemos de mais algumas semanas para ouvir passivamente os ruídos de uma AK-47. Como se não bastasse termos que nos preocupar com luz, chuva etc. temos que acompanhar o ritmo da favela. Com resignação seguimos nossos planos, aprendendo cada vez melhor a improvisar.

Ficou decidido que faríamos imagens internas, gravando Lucke, o fundador do projeto, e o treino de boxe que aconteceria na academia com alguns dos nossos alunos, inclusive. Sempre deixamos os estudantes livres para manusear as câmeras, porém, é necessário estarmos atentos à luz, ao foco e ao som para que as imagens possam ser aproveitadas com alguma qualidade no momento da edição. Nos surpreendemos, contudo, quando, ao entregarmos as câmeras para as crianças na academia de boxe, elas terem iniciado todo o processo de preparação de um take por conta própria. Como costumamos brincar: foi sucesso!

As crianças quando trabalham com pequenos grupos onde cada um tem uma função específica para a filmagem se organizam magnificamente. Trabalharam o texto, testaram o som, se preocuparam com o foco (apesar de não terem regulado-o) e ficaram atentos para não filmar espelhos ou as muitas pessoas que deveriam ficar por de trás da cena. Ficaram cerca de uma hora a sós com a câmera, sem qualquer interrupção. Comemoramos muito.

Em um dia em que a van que nos leva para a Maré não passava, que a TV para revermos nossos vídeos não funcionou, que tivemos uma briga entre alunos em sala de aula e no dia em que os tiros lá fora não paravam, obtivemos também a melhor resposta dos estudantes ao trabalho que vem sendo desenvolvido, nós com eles e eles conosco. Assim vamos aprendendo a lidar com a Maré. Vezes alta, vezes baixa, a Maré se impõe ali com a naturalidade que seu nome carrega, com a regularidade que só quem vive ali soube conhecer e se adaptar.

Fabio Cascardo
PUC University, Rio de Janeiro

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